segunda-feira, 12 de março de 2007

Isso não é um cocô, por Ernesto Silva ( ou Isso não é um Jornalista)


Era sábado, como de costume, caminhava, afinal apenas os pensamentos que temos caminhando valem de alguma coisa, lendo Nietzsche na Beira Rio. De repente, o susto: ao erguer os olhos da página encontro estendida, na Ponte de Ferro, uma faixa, que apontando para o Rio Itajaí-Açu, dizia: ISSO NÃO É UM COCÔ.

Fiquei estarrecido. Imóvel. Assombrado. Entre os urros fetichizados e pueris das bandas locais; entre as pinceladas codificadas e normativas das associações de artistas plásticos alguém teve a coragem de produzir arte contemporânea em Blumenau.

Em 1926 o artista belga René Magritte presenteou a humanidade com o seu: Ceci n'est pas une pipe: Isso Não É Um Cachimbo. Intervenção analisada por Michel Foucault em livro com o mesmo título. Na obra, o artista faz falar o desconforto da inexatidão, desconforto próximo àquele das inclusões sociais, das proteções ecológicas que estão para além de estética da beleza.

Na intervenção da ponte, além de acolher a feiúra dos erros, dos limites e das ausências – valores éticos frente ao mundo e aos seus desafios subjacentes que clamam teimosamente para serem lembrados – o que achei mais interessante foi a sutil ironia com relação as necessidades privadas de todos nós.

Cada vez mais a Vida Privada nega espaço à Vida Coletiva. Mais que isso as necessidades privadas estão – literalmente – cagando no Coletivo.

Se o Rio ainda é de todos, o Homem Privada entende que ele não é de ninguém. Alias, o Homem privada só consegue conjugar dois verbos para o território coletivo: privatizar e destruir.

E atenção, pois o melhor vem agora. Deste lugar público, onde a faixa pairava, um grupo – aproximadamente 13 jovens – talvez inspirados por Lygia Clark e Hélio Oiticica lançaram esculturas flutuantes no rio. Ao todo foram sete objetos, os quais em conjunto, lembravam fezes humanas, antes da descarga, na privada doméstica.

O Grupo foi extremamente cuidadoso ao recolher cada um dos objetos utilizados na intervenção Artístico-Ecológica. Um desses objetos ficou preso numa espinheira onde o barco a remo não conseguia chegar devido a forte correnteza das águas. Do ponto de ônibus onde acompanhei o desenlace da intervenção vi dois rapazes entrarem a nado nas águas do Itajaí Açu, e depois de muita luta recolher o objeto.

Não fizeram nenhuma poluição. Não destruíram nada. Apenas chamaram a atenção para um ponto importante em termos de arte ecologia.

Um bonito e profundo trabalho que infelizmente não foi compreendido pelo Jornalista Evandro de Assis. O qual em sua página Informe no dia 05 de março defende que somente a obra privada é legítima.

Como todo o esforço do grupo, ao que me parece, residiu justamente em criticar o mundo privado a obra não poderia, de forma alguma, ser assinada. Mas, Evandro diz que sem assinatura privada a obra perde sua legitimidade, que ele só consegue enxergar, nessa intervenção, "falta de educação." A Pergunta que me levou a escrever esse artigo é: de quem, exatamente, é a "falta" de educação?

Ernesto Silva é poeta e filósofo.

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